Espanhóis vencem (1-0) holandeses na final
Espanhóis vencem (1-0) holandeses na final
A campeã com menos golos e mais futebol
A campeã com menos golos e mais futebol
Um golo de Iniesta, aos 116 minutos, deu a Espanha a vitória mais importante da sua longa história no Estádio Soccer City, em Joanesburgo.
O Mundial africano prolongava-se, não queria acabar. O mundo apontado ao Soccer City, ao Sowetto. Já lá vão 116 minutos e nenhum dos ganapos quer ir para casa. O sol volumoso deu lugar a uma noite fria e as meias solas nos sapatos já têm buracos do tamanho de um rand. Iniesta, alça da camisola em frangalhos, emporcalhada pela poeira da “township”, pegou na bola de trapos. É dele, só dele. Saiu disparada por certeiro pontapé que voou pelo meio das balizas formadas por dois montes de casacos, bonés e sacolas. Está feito!
Não foi uma final do Campeonato do Mundo de futebol, mas foi um desafio protagonizado pelas duas equipas do bairro com mais “ganas”, com mais vontade de cerrar os dentes e de jogar à bola, com os jogadores mais criativos, mais estouvados. Venceu a Espanha, génios solidários, uma equipa de imensa qualidade que sabe jogar com a cabeça, mas que prefere jogar com o coração, um grupo que nunca abandonou o plural, que continuou a falar no plural mesmo depois de ter erguido o seu troféu, uma equipa que nunca se descompõe quando não obtém respostas imediatas. E que sabe disputar “partidos perros” (jogos cães) como o de ontem.
No final, os holandeses ficaram estendidos em campo, como despojos da batalha travada. São tão doidos por bola como qualquer puto espanhol. Mostraram-no na final do torneio do bairro. Sabiam que o adversário tinha mais armas, que impressionava à passagem. Por isso precaveram-se. Fizeram mais faltas, jogaram durinho, espalharam-se pela terra batida, acumularam cartões de todas as cores. Foram resistindo e foram ganhando o seu espaço. Também eles sabem que as finais não se jogam, ganham-se. E foi por pouco. Robben. O puto tem genica, personalidade que se farta. Dessem-lhe uma bola de trapos e ele desfazia qualquer adversário. Ontem não. Não era a sua noite. Grande jogador? Grande estragador de bolas e de sapatos. Sneijder passou-lhe a bola (62’), Van Persie passou-lhe a bola (83’), Robben voou, mas não foi capaz. De bradar aos céus. Não foi à terceira que a Holanda entrou para a história.
Pés ao léu, a Espanha, que durante a competição criou dezenas e dezenas de oportunidades de golo, nunca soube muito bem o que fazer com a bola perante os dois montes de roupa e pertences protegidos pelos guarda-redes adversários.
Em 1978, jogo no prolongamento, tinham sido os argentinos Kempes e Bertoni os autores dos golos que arrumaram a “laranja mecânica”. Ontem, a Holanda foi um pouco mais além. Resistiu até aos 116 minutos, penáltis à vista. Até alguém meter os dedos sujos de terra entre os lábios e assobiar como que a dizer “quem marcar ganha!”. Já muitos tinham tentado. Sergio Ramos (77’, sozinho, brincadeira de criança), Villa, nada. Tudo pesa. Há 27 anos que a Espanha não ganha à Holanda. Desde 1966 que ninguém ganha com o equipamento alternativo.
Se algum conservador disse que mais vale ser a cauda do leão do que a cabeça do rato, Iniesta não está de acordo. O futebol espanhol não assina por baixo. O puto, especialista em futebol pé descalço, fez-se à vida. Saiu em braços. Casillas chorou e a Espanha chorou com ele. Milhões de papéis dourados. Os campeões da Europa foram campeões no Soccer City, no Sowetto. Todo o mundo viu. História.
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